Buscar sempre, entre o que nos separa, aquilo que nos pode unir parece constituir o grande objetivo da política, porque, se queremos viver juntos na divergência, princípio vital da democracia, estamos fadados a nos entendermos. Impõe-se assim acreditar na força das ideias, compreender que a política não pode ser o meio da conservação, mas de transformação, e que a firmeza das convicções não deve ser empecilho para o entendimento capaz de transformar o poder em instrumento de justiça, igualdade e paz social. Faço tais observações por considerar que episódios significativos incorporados à nossa História brotaram da provisão da capacidade de entendimento de homens públicos de se anteciparem às crises e, de modo sintônico, resolvê-las em consonância com as aspirações nacionais. Fazer memória desses fatos que se transformaram em datas paradigmáticas serve de pedagogia cívica e ajuda a iluminar o futuro, que se nutre daquilo que fica do que passou. [...]
Ensina a Filosofia, não desacompanhada da Sociologia e da História, que ao desatar o nó da democracia novas demandas emergem com intensidade e não há outra resposta senão aprofundar, em sua essencialidade, o exercício da democracia. Os problemas da democracia exigem mais democracia. Daí insistir na necessidade de conferir, na semântica dos nossos tempos, urgência às reformas institucionais, cuja inadiabilidade está cada vez mais visível.
Precisamos, depois de consolidada entre nós a democracia, enquanto processo, fertilizá-la substantivamente, com os instrumentos da governabilidade. É indispensável mudar o sistema eleitoral para que o voto deixe de ser "fulanizado"; vertebrar verdadeiros partidos enquanto canais de interlocução entre a sociedade e o Estado; aperfeiçoar o sistema de governo para melhorar o desempenho dos Poderes e seu relacionamento no modelo presidencialista que praticamos; redesenhar o Estado federal para compatibilizá-lo com as exigências de descentralização; e, finalmente, revigorar as instituições republicanas, isto é, "republicanizar a República", para eliminar a incerteza jurídica e assegurar a todos plena cidadania.
Marco Maciel - O Estado de São Paulo, 28/03/2005.